Resenha: Outros Brasis, de Gerson Lodi-Ribeiro (por Daniel Borba)
Alguns meses atrás, dando uma volta na Livraria Cultura, eu dei de cara com o livro Outros Brasis, de Gerson Lodi-Ribeiro.
Eu já disse diversas vezes que não sou muito fã de História Alternativa. Acho interessante a ideia, mas não é o que mais me atrai. Nesse caso, no entanto, o “timing” foi perfeito, já que havia poucos dias, eu tinha participado do lançamento do livro Selva Brasil, de Roberto de Sousa Causo. Durante o lançamento, um dos livros mais comentados foi justamente Selva Brasil, especialmente o último texto do livro, “A Ética da Traição”, elogiadíssimo e que me deixou extremamente curioso.
Isso deve ter sido mais ou menos em maio do ano passado, e eu só fui ler Outros Brasis agora no começo do ano, o que prova que realmente a minha lista de leituras pendentes está realmente atrasadíssima.
Bem, de volta ao livro agora. O autor é Gerson Lodi-Ribeiro, amplamente reconhecido como o autor que mais explora a História Alternativa, ao mesmo tempo em que se esforça constantemente para difundí-la. Na introdução, ele faz um apanhado geral das ideias que o levaram a escrever os textos apresentados no livro, apresentando eventos que poderiam ter resultado num Brasil diferente do que conhecemos atualmente.
O livro é dividido em duas partes, cada uma baseada num “turning point”, ou seja, um evento crítico na História do Brasil que, se tivesse acontecido de forma diferente, poderia mudar toda a nossa realidade.
A primeira parte do livro é “O Agente de Palmares”, composta por “O Vampiro de Nova Holanda” e “Assessor para Assuntos Fúnebres”. Nesta primeira parte, vemos um Brasil no qual a Confederação de Palmares evoluiu para uma nação independente e forte, ao mesmo tempo em que a colônia de Nova Holanda, governada por Maurício de Nassau, manteve-se firme no Nordeste brasileiro. O Brasil colonizado pelos portugueses ficou enfraquecido e tornou-se uma força menor.
A primeira história, “O Vampiro de Nova Holanda”, mostra como Dentes Compridos chega a Palmares. Dentes Compridos é o último remanescente do povo dos filhos da noite, que são um tipo de vampiros um tanto diferentes dos que temos visto por aí. Sua aparência é a de um índio muito feio, com pés e mãos gigantescos e orelhas pontudas. Quando atacam, são impiedosos e mortais. Segundo suas lendas, o “vidas-curtas” (os seres humanos normais) existem apenas para alimentá-los. Dentes Compridos chega à civilização e se torna uma importante peça no delicado equilíbrio existente entre Palmares, Nova Holanda e o Brasil lusitano. O começo da história, no qual a trajetória dos filhos da noite é contada através do ponto de vista deles, já vale a leitura. É daquelas histórias que não nos deixam soltar o livro um minuto sequer.
A continuação é “Assessor Para Assuntos Fúnebres”, na qual Dentes Compridos muda-se para Londres e entra em contato com ninguém mais ninguém menos que Jack, o Estripador. A origem do famoso assassino, assim como seus motivos são apresentados de maneira totalmente inovadora e interessante. Novamente, é uma leitura que prende do começo ao fim.
Na segunda parte de Outros Brasis, temos o conto “Pax Paraguaya”. Nesta realidade alternativa, a diferença é que o Brasil perdeu a Guerra do Paraguai. Há uma série de diferenças em relação ao mundo que conhecemos. O título Pax Paraguaya é muito interessante, ao nos trazer à mente a Pax Romana, período de relativa paz e progresso trazidos ao mundo dominado pelo Império Romano. Ok, eu admito: conheci a Pax Romana graças aos quadrinhos do Asterix, mas isso é uma outra história…:D
“Crimes Patrióticos”: Uma Crônica de Guerras Perdidas nos apresenta o “turning point”, a vitória paraguaia na Batalha de Riachuelo, sob o ponto de vista de um de seus sobreviventes, um militar brasileiro inconformado com a vitória inimiga.
“A Ética da Traição” mostra os resultados a longo prazo da vitória paraguaia. Tendo o Paraguai como potência, o mundo é bem diferente do que conhecemos. As Guerras Mundiais aconteceram de forma diferente. Ou melhor, aconteceu apenas UMA Guerra Mundial. O mundo ficou muito mais rico do que o nosso, não existe preconceito racial e a pobreza está desaparecendo. Além disso, provavelmente sem o impulso da Segunda Guerra, os Estados Unidos não assumiram a sua posição de destaque no mundo capitalista. O Brasil, apesar de viver sob a tutela do Paraguai é uma nação forte e poderosa.
A história é narrada por um cientista brasileiro, vencedor do Prêmio Nobel e descobridor de um método para observar realidades alternativas. Como se não bastasse toda a criação de um mundo alternativo, há um interessante jogo político envolvido. Outra coisa: só o nome dessa história já vale um prêmio: A Ética da Traição.
Outros Brasis foi uma leitura surpreendente para mim. Eu já tinha ouvido falar várias vezes desse livro em outras ocasiões, mas sempre de uma maneira meio fria e distante, tipo: “Ah, tem esse livro aí de História Alternativa…”.
Na verdade, o livro é muito bom. Vemos um mundo totalmente diferente do nosso, cheio de ramificações, espaço para mais histórias e uma tremenda criatividade do autor. O fato de o livro “brincar” com a História do Brasil é bem interessante também. Há para nós, brasileiros, uma identificação imediata com os temas e com a ambientação criada pelo autor.
Com certeza, passo a ver a História Alternativa com outros olhos depois de ler Outros Brasis.
(resenha originalmente publicada em 25/01/2011 em http://www.alemdasestrelas.com)