Resenha: Devoradores de Mortos, de Michael Crichton (por Clinton Davisson)
No século X, quando os árabes eram o povo mais evoluído do planeta, o diplomata Ibn Fadlan levava uma vida boa até se meter com a mulher de um xeique rico que era amigo do califa. Como castigo, ele é mandado em uma missão pelo mundo bárbaro: fazer contato com o rei dos búlgaros. Mas a vida é uma caixinha de surpresas e em uma bela manhã de sol, Ibn vai parar em um confronto entre vikings e uma misteriosa tribo do que parecem ser os últimos neandertais na Terra.
Tudo isso seria uma boa sinopse para uma história comum, mas estamos falando de um relato real ocorrido em 922 DC. Ao menos é o que tenta nos fazer acreditar o livro. O documento foi guardado e traduzido durante quase mil anos até que em 1976, o escritor Michael Crichton (falecido em novembro de 2008, vítima de câncer), um dos gênios mais oportunistas da cultura pop recente, teve a idéia de juntar os relatos com a história de Bewolf e transforma-los em uma história cheia de ação e aventura. O resultado é um livro curto, detalhado e envolvente, com relatos incríveis sobre a cultura, o modo de vida, ice cassino, organização e até hábitos de higiene dos famosos guerreiros louros das regiões geladas da Europa.
Verdade ou mentira?
Ahmad ibn Fadlān ibn al-Abbās ibn Rašīd ibn Hammād realmente existiu e realmente visitou a Europa no século X. O encontro com o povo Rus (daí vem o nome Rússia) também é verídico. Mas quando o livro e o filme entram na história de Bewulf, vira ficção. Mas tudo em nome do entretenimento e boa parte da divertida narrativa é realmente baseada nos relatos de Fadlan. A cerimônia de funeral vinking é um bom exemplo. Além da famosa fogueira sob a água mostrada em diversos filmes e livros, há detalhes interessantes como escravas que se oferecem para morrer ao lado do corpo do guerreiro.
Os hábitos higiênicos (ou a ausência deles) merecem uma atenção especial do narrador. Acostumado aos banhos regulares e a veneração exagerada às mulheres típica da cultura muçulmana, Ibn inicialmente se surpreende e se revolta com o hábito das mulheres de mostrar seus rostos publicamente, mas depois acaba aderindo aos costumes locais ao desfrutar sexualmente das escravas. Como também os nórdicos não se lavavam mesmo depois de ir ao banheiro, o árabe confessa que teve que prender a respiração para transar com a escrava e suportar o mau cheiro.
Mas Devoradores de Mortos não é apenas um relato documental, o livro também conta com bons personagens como Buliwyf, o chefe dos guerreiros que mostra curiosidade em relação a figura e aos conhecimentos do estrangeiro que sabe “desenhar sons” ou seja, ler e escrever. A trama traz mistérios a serem desvendados: um estranho grupo de monstros, os devoradores de mortos do título, aterroriza um povoado. Eles moram no topo de um vulcão e nunca ninguém os viu de perto.
Para complicar a situação, Wigliff, o próprio filho do rei da tribo se torna uma ameaça, pois o temor em relação a Buliwyf tomar o trono para si é grande. O plano de Buliwyf para intimidar o príncipe é tão genial quanto absurdo: provocar uma briga entre o mais forte e jovem guerreiro local e o experiente Hyglak. O resultado do combate é surpreendente.
O filme
Embalado pelo sucesso de A Máscara do Zorro, o espanhol Antônio Banderas protagonizou em 1999 o filme O 13º Guerreiro, uma adaptação bem fiel ao livro de Crichton. Nem a crítica, nem o público se empolgaram dando um banho de água fria nas carreiras tanto do ator quanto o diretor John McTiernan que estava já em decadência. Ainda assim é uma produção cultuada nos dias de hoje e a renda de quase U$$ 90 milhões não é considerada um fracasso total.
O fato é que, para quem leu o livro “Devoradores de Mortos”, assistir ao “13º Guerreiro” é algo praticamente obrigatório. A recíproca também é verdadeira: se você gostou do filme e gosta de uma boa leitura, vá correndo comprar o livro.