Artigo: The Last Of Us – Parte 2: Uma aula de empatia (por Gerson Machado de Avillez)
Era o tempo em que videogame significasse sinônimo do menino nerd que passava horas enfurnado num quarto jogando. Desde seu surgimento com o ‘pong’ ao Atari 2600, o público diverso hoje abrange mulheres e muitos adultos, ainda que os estereótipos persistam. Porém, hoje ao atingir o ápice com a excelência como arte pelo avanço tecnológico, no entanto, não permite maior permeação no mercado pelos preços nem sempre acessíveis a todos os públicos. Não o bastante, a discriminação ainda presente ao associar o mesmo com a violência entre adolescentes ainda existe, assim como sinônimo de gente bisonha. Por fim, mesmo que um mercado milionário não tem o devido reconhecimento na mídia e cultura como arte. Acompanho desde a infância a primeira geração de videogames perdendo apenas o Playstation 2 e Playstation 3. Somente consegui adquirir o quatro graças a um golpe de sorte numa inesperada herança.
Com o aguardado lançamento de The Last Of Us – Parte 2 parece reforçar um novo patamar de qualidade técnica e artística definindo que o videogame alcançou a emancipação e maturidade como arte. A história (spoliers do primeiro game) se dá em meio a um apocalipse zumbi provocado por uma pandemia de um fungo real que existe no Brasil e evoluiu ao infectar humanos, subindo à cabeça e dominando o hospedeiro a proliferar o mesmo. Em meio a isso, um homem desiludido após perder sua família e sua filha Sarah, Joel Miller, recebe a missão de levar uma menina chamada Ellie através do país até um grupo chamado Vaga-lumes. Portadora da cura da doença ao se tornar imune após um ataque, o elo estabelecido por ambos ao longo da viagem culmina no fato de que Joel, ao descobrir que ela teria de ser morta para extrair a cura. o mesmo mata o grupo de médicos para salvá-la.
Na Parte II, passada quatro anos depois, a filha do cirurgião, Abbie, busca vingança, o que desencadeia toda a sequência volitiva de desequilíbrios que conduzem à segunda parte do jogo. A dicotomia que se segue entre o amor de Abbie por seu pai e Ellie por Joel rivalizam entre si como seu oposto, o ódio, conduzindo uma sequência de eventos que demolem o conceito de ódio numa verdadeira aula sobre empatia.
Pontuado pela ótima trilha sonora do vencedor do Oscar, Gustavo Santaolalla, e dirigido por Neil Druckmann, o jogo teve um recebimento misto pelos fãs, em parte pela morte de queridos personagens, numa indicada aula de que os mesmos seguiram a cartilha de ‘Game of Thrones’ em sequências bem pesadas como da morte de Glenn, de ‘The Walking Dead’. Ainda que se tratasse de uma ficção repleta por uma metalinguagem simbólica e expressivamente indicativa como alegam ao desenho ‘Os Simpsons’, os gráficos primorosos e sequências de ação de Druckmann parecem terem feito escola com Alfonso Cuaron, além de repletos de referências à cultura pop.
Passado na década de 2030, não é um jogo fácil, mas emocionalmente denso e visceral na violência, ainda que nada seja gratuito. Ao final de The Last Of Us Parte 2, posso dizer que, muito provavelmente, é uma experiência que evoca tudo o que a personagem sente, mas igualmente nos coloca do outro lado da então antagonista Abbie. Ainda que o plot, a princípio, não seja o mais original no mercado, o desenvolvimento e habilidade com que é escrito o roteiro inspira, sendo uma obra de imersão completa, não somente nos méritos técnicos e artísticos, quanto à jogabilidade fluída até a extensão e complexidade dos cenários, mas no grau de envolvimento emocional, o qual, tal profundidade perturbadora mexe com as mais variadas emoções, do amor ao ódio. Mas, sobretudo, uma aula sobre empatia ao qual apenas psicopatas e haters não seriam capazes de compreender.
Não se comover com o flagelo que ambas se torna impossível, ao passar mesmo do ódio inicial que se sente por Abbie, que nos faz perceber a personagem, não somente limitada nas motivações que não eram meramente um encarniçado de vingança. O final agridoce e os momentos de sensibilidade alternados entre o oposto de violência dão densidade dramática ao jogo, no qual o tema concerne justamente na dicotomia do bom e do mal, dos maus e bons instintos, sentimento que, curiosamente, o game desperta no usuário.
Poucos jogos lidam com essa habilidade dual do ser humano como esse. Sobretudo uma metalinguagem rica dando maior complexidade em signos e sinais, que melhor dimensionam os personagens na história como quase mitos, entre lembranças de tempos alternados, assim como uma riqueza de detalhes invejáveis aos que não atinam com tal apuro criativo, de modo que mesmo jogando uma segunda vez, haveremos de descobrir coisas novas. Terminei The Last Of Us Part II em quase 42 horas, e confesso que fiquei um tempo considerável apreciando os gráficos e paisagens exuberantes e primorosas, mas mesmo que tenha me tocado profundamente com a perda de personagens amados em suas motivações, não tira a verdadeira qualidade dessa bela obra ficcional como ápice dessa arte eletrônica ainda sem justo reconhecimento cultural e midiático. Ainda que repleto de referências tanto a filmes ‘Filhos da Esperança’ e ‘Jurassic Park’, as sequências de ação estonteantes que pulverizam a qualidade de muitos filmes em planos-sequência interativos, assim como referências a livros e outros jogos, o game conseguiu elevar o padrão de qualidade, não somente rivalizando com clássicos que lhe deram origem como ‘Resident Evil’, como os suplantando no grau de dramaticidade.
Com uma adaptação marcada pela HBO a mando do mesmo produtor e diretor de Cherboyl, a franquia parece ser o final de carreira de uma geração de videogames onde a cinemática mescla-se diretamente à jogabilidade, com experiências únicas para o jogador. Quebrando regras narrativas, assim como conceitos de jogabilidade, ainda que com um plot inicial que não seja revolucionário, o desenvolvimento e complexidade do game leva aos prantos muitos jogadores, destacando-o como lo como um dos melhores games de todos os tempos.