Conto: O Império de Tendor (por Gerson Machado de Avillez)
Fora num dia como aparentemente outro qualquer que, naquela trilha, parecia subitamente me perder sem saber que, na verdade, acharia o ininteligível inefável aos mortais oriundos de meu mundo. Tudo teve início quando os metros pareciam terem se tornado quilômetros como se uma dilatação no espaço-tempo tivesse se acometido das curvas e distâncias. Todavia, mediante a aparente desorientação, mesmo a bússola, apontava para o âmago do desconhecido. Apenas eu e minha amada sentíamos o rubor ante a possibilidade do rumor como predecessor do mito de uma cidade outrora perdida como nós na trilha. Mas para achá-la teríamos que nos perder.
Testemunhos antigos de pilotos da ‘Esquadrilha da Fumaça’ afirmavam que teriam fitado uma cidade a qual alguns se referiam por ‘El Dorado’ ou ‘Akakor’, rumores incomprovados pelo improvável para uma civilização cética. Mas, desde a antiguidade se falava de lugares incógnitos presentes em míticos mapas, de ilhas como ‘Hi Brazil’, ‘Mu’, ou uma cidade europeia que aparecia apenas em adventos próprios.
Mas doravante o que se descortinava ante nossos olhos era mais surpreendente que a mais reluzente ficção. Como o velho ancião que no caminho prenunciava de forma agourenta um mítico império de aflições ao proferir antes de desaparecer nas brumas matinais da floresta a seguinte frase:
-“Há não somente o espaço entre espaços, mas o tempo entre tempos, se possível eras espremidas entre um segundo e outro.” Proferiu o homem que trajava aparentemente roupas medievais totalmente deslocadas de nosso tempo.
De fato, as discrepâncias presentes no GPS de nossa modesta expedição eram atestadas como de procedência intemporal ao criar o que parecia ser uma defasagem, como se aquele lugar fosse uma expansão do espaço dentro do espaço de modo que o caminho mais curto de um ponto a outro não era uma reta, mas uma curva. De certo as leis fundamentais da física pareciam diferentes, de modo que medidas simples pareciam levar a discrepâncias físicas e matemáticas como se 1+1 não fossem dois.
Paramos diante de uma clareira quando fitamos um forte vento que parecia ser delimitado por uma muralha invisível. De um lado as árvores ululantes dançavam num frenesi incompreensível do torpor estagnado de onde estávamos. Isso até que num rompante ao darmos um passo à frente fomos acometidos por um vento de insensível frio. Sentimos algo intrínseco e diferente naquele lugar que tão logo desvelou uma montanha jamais descrita em mapas de nosso mundo ordinário.
Os relógios rodavam como a qualquer tempo, mas num passo atrás víamos desacelerar contra todos prognósticos físicos plausíveis.
— Ao aproximar os tempos, ao esticá-los, os segundos podem durar uma eternidade. — Proferiu minha amada cônjuge ante os mistérios avassaladores que sobrevinham a olhos vistos de mortais como nós.
Que subterfúgio seria aquela bruxaria? Pensou minha analítica mente, resiliente à incompreensão do desconhecido. Adentramos terras dentro das terras através dos tempos dentro dos tempos à espera do inesperado enquanto lembrávamos das palavras do moribundo ancião vítima da fatalidade do mortal mundo da sã consciência. Mentes ordinárias não poderiam compreender aquilo, pois, o infinito não cabia no finito de nossas mentes.
Caminhamos por longos minutos, sejam eles segundos em nosso mundo ou não. Mas nossos pés levaram até um horizonte donde se fitava um imenso império reluzente como ouro, o qual as edificações como castelos pontudos ameaçam cortar o tecido do espaço-tempo perfurando a trama de nosso mero mundo de cotidianos medíocres e simplórios. Doravante li as teorias de um louco o qual teria se desventurado por tais terras além das terras o qual falava que a mecânica quântica desvelava a inicial natureza de outras dimensões as quais as leis mortais da relatividade não se aplicavam. A ‘mecânica quântica’ era a guardiã de outros universos, segundo o débil homem balbuciante.
Sobretudo rezava a lenda que naquele lugar havia uma porta misteriosa, que por séculos, ninguém nunca conseguiu abrir, pois dizia a profecia que um escolhido abriria a porta ao trazer o conhecimento da verdade. Mas o tirânico Império de Tendor que dominava de modo brutalmente severo aquelas terras desejava abrir a porta e se apossar de seu misterioso conteúdo, excluindo todos demais para ter exclusividade em acesso, fosse qual fosse este conteúdo.
Poderia nossa finita sã consciência ampliar os horizontes da existência ao infinito de tal loucura?
O imponente Império de Tendor erguia-se de modo soberbo e tenebroso no horizonte com seu jugo desigual de dor e aflição a seus habitantes como num reino nas entrelinhas da trama de nosso espaço-tempo. Quando finalmente fitamos o que aparentava ser uma vila de camponeses num estado de semi-miséria soubemos que logramos êxito ao perfilar aquelas casas rudimentares.
Tão logo crianças maltrapilhas nos cercaram falando uma profusão de línguas diferentes como se o lugar fosse uma Babel dos flagelos humanos. Mas ouvimos algo dentre línguas mesmo desconhecidas um português não menos rudimentar, como muito antigo.
— Temos aqui novos viajantes, Joaquim! — Vociferou o homem a outro que estava sentado num monte de lenha.
— Vossa mercê percebe que estes parecem ser do futuro? — Respondeu Joaquim ao homem.
— Não, somos do presente. — Comentei ao aproximar-me.
— Jogos de espelhos! O que é o presente se não uma percepção persistente? Ora, de nosso tempo o presente é o século XI.
— Vocês são de Portugal?
— Portugal? Vocês? – Indagou o homem ao lado de Joaquim.
— Somos de Galiza, sabemos que de seu tempo existe essa variação da língua, aprendemos a falar o ‘português’ com um homem de 2125.
A consternação me tomou ante as prerrogativas afirmadas por aqueles homens que não pareciam ser nativos, mas junto a outros resquícios de visitantes de várias épocas e lugares. Tão logo aqueles afáveis homens contaram que havia poucas aberturas para esse mundo ao longo dos tempos, por isso neles algumas pessoas desaparecidas do ano 1000 a.C, século XI e 2125 d.C. estão presentes como uma convergência de muitos tempos num só tempo. Relatou-nos, sobretudo, que no século XXI a civilização de nosso mundo começou a perceber as implicações de haver um império oculto dentro de nosso mundo, como uma expansão anexa do espaço-tempo espremida dentro das dimensões de nosso universo. Graças a um sobrevivente desconhecido os relatos acrescidos a de outros viajantes que retornaram perceberam que na aparente loucura um padrão persistente de relatos se desvelava revelando que na aparente ficção absurda das entrelinhas históricas detinha-se um mundo inteiramente novo, um mundo jamais desbravado pelos descobridores de outrora.
Os homens do ano de 2125 estariam naquele anexo no espaço-tempo realizando um experimento em segredo até serem pegos pelo cruel e monstruoso imperador Nassob Akbar.
— Há muito mais por aí. — Completou Joaquim. — Reinos sobrepostos. Universo com mais de uma dimensão temporal. Universo com leis físicas diferentes e criaturas novas em caminhos ditos evolucionários totalmente desconhecidos.
As afirmações audaciosas daqueles homens eram absurdas, tão absurdas como pisar naquela terra! Algo que nem a ciência do século XXII fora capaz de mensurar em toda sua grandeza. Apenas dão os primeiros passos como crianças céticas de algo maior detido na menor miudeza da trama do espaço-tempo.
— Vocês precisam ajudar aqueles homens, pois o tirano Nassob Akbar soube que o escolhido está nesse mundo e pegou os inveterados cientistas a fim de extrair informações para encontrá-lo. Ele quer usar o escolhido para abrir a porta que nunca se abre.
— O que podemos fazer? — indaguei perplexo.
— Liberte-os, pois este cruel tirano ameaça invadir nosso mundo além do horizonte! Disseram os cientistas que um casal viria do mundo ordinário hoje e que seriam os libertadores dele. O cumprimento da profecia aproxima-se!
Soubemos então que o propósito nos era precursor em nossa vinda àquela terra, pois de alguma forma o passado, presente e futuro convergiam naquela terra temerária.
Assim partimos buscando compreender os laços que nos cerravam igualmente a trama do destino daquele lugar de onde perguntas sem respostas emergiam como os anseios daquele povo oprimido por aquele tirano chamado Nassob Akbar.
Leis não haviam naquele lugar o qual apenas o desejo do mais forte e poderoso era o mando a subjugar os direitos dos demais.
Viemos então às portas do Império de Tendor pedir uma audiência com aquele tenebroso rei o qual seu cetro era as injustiças impostas as suas vítimas. Assim, modo comedido, tiveram a entrada liberada por aqueles vassalos os quais seriam os primeiros habitantes daquele lugar, um povo de traços árabes que estavam lá há séculos, por gerações, desde seu passado remoto.
Ensinava aquele rei que apenas poderiam ser vencedores se os fossem sobre suas vítimas, as massacrando, que para serem grandes precisavam rebaixar os demais, pois a desigualdade e medo era a fonte de seu poder.
— Quem deseja falar com o grande Imperador e por qual motivo? — Vociferou um dos vassalos daquele séquito.
Mesmo que tenhamos o respondido, de que teríamos vindo ter com os prisioneiros, um dos homens riu de modo debochado até permitir passagem. Deram passagem até que fitamos um trono no alto de uma pirâmide iluminada por uma luz que lançava grandes sombras sobre os visitantes e onde o homem lá do alto os fitou com desprezo.
Eis então que ele se ergueu imponente e dando passos à frente, não sem antes alguns de seus escravos se abaixarem deitando no chão para que o homem passasse por sobre eles, como tapete, pois o significado de sua vida estava em torná-los insignificantes, presos num niilismo de aflições, medo e dor que como drogas consumiam suas vidas.
— Enfim vieram! — Vociferou o homem gargalhando ao fitá-los mais de perto como se esperasse por nossa presença.
Sem saber do que falava aquele iníquo sociopata tão logo ele fez sinal para seus vassalos que lhes mostrassem os ditos cientistas do século XXII que estavam detidos em celas como animais. Os cientistas por sua vez nos fitaram com não menos perplexidade ao notarem que na realidade nós que teríamos vindo resgatá-los sem saber que seria, na realidade, o escolhido que abriria a dita porta que por imemoráveis anos nunca conseguiu ser aberta.
— Lhes proponho um negócio, abra-me aquela porta e os libertarei junto aos cientistas. — Falou o imperador com ares presunções de superioridade arrogante.
— Não faça isso, Joel! — Vociferou um dos homens presos que misteriosamente sabia o meu nome.
Sem saber o que dizer e fazer permaneci paralisado incrédulo ante aquilo. Uma porta imponente se erguia de modo emblemático diante de nós. Adornada com gravuras incrustadas que remetiam a várias civilizações humanas, detinha traços de egípcios, maias, incas, sumérios e mesmo judaicos. Ela era dourada sendo cravejadas de pedras de raro valor, pedras das quais minha esposa muitas vezes não conseguia identificar como se fosse gemas de geografias inéditas ao conhecimento terrestre de nosso universo.
Assim parados diante dela fitamo-las minuciosamente na busca de compreender o que significava a inscrição, mas aquele conhecimento perdido que parecia ser cumulativo de várias civilizações era de parco conhecimento ao nosso intelecto. Ruborizado de temor ante a situação o silêncio fúnebre fora apenas interrompido quando um dos cientistas disse.
— A mensagem da porta está gravada de modo que cada língua se demonstra uma parte específica. Parece que fora feita para ser aberta apenas quando todos os povos se unirem contra um mal comum.
O cientista que era judeu sabia bem isto, pois havia interpretado sua parte que segundo ele parecia aludir a algo como ‘a luz do alvorecer apenas raiará contra o mal comum… ’. O que se seguia estava em sumério que graças aos conhecimentos da arqueóloga que era Vera Sofia, minha amada esposa, calhou de interpretar.
— “A luz do alvorecer, apenas raiará contra o mal comum,… quando todos os povos derem as mãos ante o brilho…”
— “…do amor que desvelará o mal oculto.” — Completou Nassob que sabia a outra parte que estava em árabe. — Sou eu, eu sou um herói, um amor! Um homem amável e cheio de honra! — Proferiu o homem sem sequer reconhecer-se em seus próprios atos desprezíveis. — A porta fora feita para mim! E com ela aqueles que destruíram outrora meu grupo naquele mundo ordinário terá a vingança que merecem sofrer!
Apesar disso o imperador ficou perplexo, pois não compreendia bem o que aquilo significava ainda que por décadas buscasse as peças que faltassem para interpretar a mensagem da porta que parecia pouco dizer sobre como abri-la. Um dos vassalos curvado ao fitar apenas o chão em reverência àquele crápula ajeitou um óculos no rosto e deu-lhes um papel que agora completava toda mensagem que dizia.
“Finda a noite será quando a luz do alvorecer apenas raiará contra o mal comum quando todos os povos derem as mãos ante o brilho do amor que desvelará tal mal oculto. Assim o trono do novo governante será a Verdade, sua coroa a Paz, e seu cetro o Amor.”
Quando li aquela frase completa em voz alta mesmo os escravos de outras civilizações de muitos tempos que lá convergiam ficaram abismados ao observar que uma luz intensa emergia da porta e cujas pedras agora pareciam como lâmpadas acesas num fulgor agradável à visão humana. Aquela luz, todavia, dissipou as sombras daquele facínora sobre seus oprimidos ainda que ele pareça esperançoso de que sairia triunfante de suas iniquidades atrozes contra os mesmos.
A porta não era grande, todavia o selo que aparentava ter falhou dando uma brecha para que eu a abrisse. Seu interior parecia estranhamente maior do que aparentava do exterior ao imanar uma luz suave, cuja brancura trazia paz. O imperador desceu rapidamente a fim de adentrar a porta ainda que sem saber o que lhe aguardava e muito menos tenha sido aberta por ele, mas que ao adentrar aquela luz parecia engoli-lo tornando-o gradualmente em pó, mas não sem antes se contorcer de dor. O homem agora agonizante parecia ter visto o que outrora afligiu ele e a gente dele, o que justamente estava fadado a derrotá-lo não como algo mal, mas por ser antagônico ao mal que ele mesmo representava contra inúmeras vítimas.
A contragosto o homem agora moribundo caiu de joelhos como uma ironia do destino uma vez que o mesmo obrigava suas vítimas a reverenciá-lo de modo similar, pois sem saber a porta que buscava o dito poder era justamente a porta que levaria a fonte de seu fim, tudo que ele jamais seria.
Aquele era o destino ao qual eu era conduzido sem saber, ante um mal que conforme ‘profetizado’ por outros viajantes parecia se comprovar ao trazer a liberdade e todas as coisas que aquele tirano e seus asseclas lutavam para dominar, e assim o Império de Tendor se desfez naquele mundo que dissipou toda tirania.
Quando me dei conta estava de volta à floresta caído ao chão. Fitei o relógio e quando percebi havia passado apenas um minuto desde que supostamente teria saído dali. Uma era num só minuto! Vera Sofia virou-se para mim e sorriu perplexa ante o que havia presenciado.
Nos levantamos e caminhamos de volta pela trilha quando encontramos aquele ancião que antes nos exortou sobre o mundo vindouro. Paramos diante dele que agora sorria, ao perguntarmos o nome dele o homem respondeu, se chamava Joaquim.
NOTA: Esta história pertence a um “multiverso compartilhado”, que também se estende aos contos O Jogo da Dominação, Elo do Destino e Bocejo da Morte, aqui publicados.
Outras informações no link: www.gersonavillez.jimdo.com